domingo, novembro 21, 2010

Tenho medo, por Rubem Alves


Preciso confessar que essa crônica é mais pra mim, do que pra vcs. Eu tenho medo...vários medos...e o pior deles é deixar minhas filhas, acredito que só uma mãe saiba a dor de um medo desse...por isso, tenho medo!

Tenho medo...


Um casal de amigos enviou-me um fax com um pedido: que lhes mandasse os nomes dos livros que tenho sobre o medo. Explicaram a razão do pedido: tinham medo... E pensavam que pela leitura daquilo que sobre o medo se escreveu como ciência e filosofia, o seu próprio medo ficaria mais leve.

Procurei fazer o que me pediam. Pus a funcionar os arquivos da minha memória, procurando identificar os livros sobre o medo que estariam na minha biblioteca. Inutilmente. Nenhum título me veio à mente. Dei-me conta de que não possuo nenhum livro sobre o medo. Sem livros a que recorrer, pus-me a pensar meus próprios pensamentos sobre o medo. E o primeiro pensamento que me veio foi o seguinte: Eu tenho medo. Eu sempre tive medo. Viver é lutar diariamente com o medo. Talvez esse seja o sentido a lenda de São Jorge, lutando com o dragão. O dragão não morre nunca. E a batalha se repete, a cada dia.

Como não pudesse ajudar meus amigos com bibliografia filosófica e científica, resolvi compartilhar com eles minha condição. O medo tem muitas faces. Lembro-me de que, bem pequeno ainda, acordei chorando, imaginando que um dia eu estaria sozinho no mundo. Foi uma dura experiência de abandono. Tive medo de não ser capaz de ganhar a minha vida quando meu pai e minha mãe partissem. Na verdade eu tinha era medo da orfandade, do abandono. Minha filha Raquel tinha não mais que três anos. Era cedo, bem cedo. Ela me acordou e me perguntou: “Papai, quando você morrer você vai sentir saudades?“ Essa foi a forma delicada que ela teve de me dizer que tinha medo da saudade que ela iria sentir, quando eu partisse. O rosto do medo mudou. Mas o sentimento continua o mesmo. Tenho medo da solidão. Há uma solidão boa. É a solidão necessária para ouvir música, ler, pensar, escrever. Mas há a solidão do abandono. Buber relata que, numa língua africana, a palavra para dizer “solidão“ é composta de uma série de palavras aglutinadas que, se traduzidas uma a uma, dariam a frase: Lá, onde alguém grita: Oh! mãe! Estou perdido! O trágico dessa palavra é que o grito nunca será ouvido, nunca terá resposta. Tenho medo da degeneração estética da velhice. Tenho medo que um derrame me paralise, deixando-me sem meios de efetivar a decisão que seria sábia e amorosa: partir. Tenho medo da morte. Antigamente esse medo me atormentava diariamente. Depois ele se tornou gentil. Ficou suave. Passei a compreender que a morte pode ser uma amiga. Veio-me à mente uma frase que se encontra na oração Pelos que vão morrer, de Walter Rauschenbusch: “Ó Deus, nós te louvamos porque para nós a morte não é mais uma inimiga, e sim um grande anjo teu, nosso amigo, o único a poder abrir, para alguns de nós, a prisão da dor e do sofrimento e nos levar para os espaços imensos de uma nova vida. Mas nós somos como crianças, com medo do escuro...“ (Orações por um mundo melhor, Paulus ). O Vinícius disse a mesma coisa de um outro jeito: “Resta esse diálogo cotidiano com a morte, esse fascínio pelo momento a vir, quando, emocionada, ela virá me abrir a porta como uma velha amante, sem saber que é a minha mais nova namorada.“ Boas são as palavras das orações e dos poemas: elas têm o poder de transfigurar a face do medo. Meu medo da morte ficou suave porque o seu terror foi amenizado pela tristeza. Ah! Mário Quintana! Como eu gosto de você, velho que nunca deixou de ser menino! Você sabia tirar o terror do medo rindo diante dele. Você lidava com seus medos como se fossem brinquedos. Delicioso, esse brinquedinho: “Um dia...pronto!...me acabo./ Pois seja o que tem de ser./ Morrer: que me importa? O diabo é deixar de viver!“ Isso mesmo. O terrível não é morrer; é deixar de viver. O terrível não é o que está à frente; é o que deixamos para trás. É um desaforo ter de deixar essa vida! Zorba, quando percebeu que seu momento chegara, foi até a janela, olhou para as montanhas no horizonte, pôs-se a relinchar como um cavalo e gritou: “Um homem como eu teria de viver mil anos!“ E eu pergunto: “Por que tanta modéstia? Por que só mil?“

Mas tenho medo do morrer. Medo da morte e medo do morrer são coisas distintas. O morrer pode ser doloroso, longo, humilhante. Especialmente quando os médicos não permitem que o corpo que deseja morrer, morra.

Tenho medo também da loucura. Não há sinal algum de que eu vá ficar louco. Mas nunca se sabe! Muitas mentes luminosas ficaram insanas. E tenho medo de que algo ruim venha a acontecer com meus filhos e netas. Sábias foram as palavras daquele homem que, no livro onde deveriam ser escritos os bons desejos à recém-nascida neta do rei, escreveu: “Morre o avô, morre o pai, morre o filho...“ Enfurecido, o rei lhe pede explicações. “Majestade: haverá tristeza maior para um avô que ver o seu filho morrer? E para o seu filho: haveria tristeza maior que ver sua filhinha morrer? É preciso que a morte aconteça na ordem certa...“ Tenho medo de que a morte não aconteça na ordem certa.

Somos iguais aos animais, em que as mesmas coisas terríveis podem acontecer a eles e a nós. Mas somos diferentes deles porque eles só sofrem como se deve sofrer, isto é, quando o terrível acontece. E nós, tolos, sofremos sem que ele tenha acontecido. Sofremos imaginando o terrível. O medo é a presença do terrível-não-acontecido, se apossando das nossas vidas. Ele pode acontecer? Pode. Mas ainda não aconteceu e nem se sabe se acontecerá.

Curioso: nós, humanos, somos os únicos animais a ter prazer no medo. A colina suave não seduz o alpinista. Ele quer o perigo dos abismos, o calafrio das neves, a sensação de solidão. A terra firme, tão segura, tão sem medo, tão monótona! Mas é o mar sem fim que nos chama: “A solidez da terra, monótona, parece-nos fraca ilusão. Queremos a ilusão do grande mar, multiplicada em suas malhas de perigo...“ (Cecília Meireles).

A pomba, que por medo do gavião, se recusasse a sair do ninho, já se teria perdido no próprio ato de fugir do gavião. Porque o medo lhe teria roubado aquilo que de mais precioso existe num pássaro: o vôo. Quem, por medo do terrível, prefere o caminho prudente de fugir do risco, já nesse ato estará morto. Porque o medo lhe terá roubado aquilo que de mais precioso existe na vida humana: a capacidade de se arriscar para viver o que se ama.

O medo não é uma perturbação psicológica. Ele é parte da nossa própria alma. O que é decisivo é se o medo nos faz rastejar ou se ele nos faz voar. Quem, por causa do medo, se encolhe e rasteja, vive a morte na própria vida. Quem, a despeito do medo, toma o risco e voa, triunfa sobre a morte. Morrerá, quando a morte vier. Mas só quando ela vier. Esse é o sentido das palavras de Jesus: “Aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á. Mas quem perder a sua vida, a encontrará.“ Viver a vida, aceitando o risco da morte: isso tem o nome de coragem. Coragem não é ausência do medo. É viver, a despeito do medo.

Houve um tempo em que eu invocava os deuses para me proteger do medo. Eu repetia os poemas sagrados para exorcizar o medo: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum...“ “Mil cairão à tua direita, dez mil à tua esquerda, mas nenhum mal te sucederá...“ A vida me ensinou que esses consolos não são verdadeiros. Os deuses não nos protegem do medo. Eles nos convidam à coragem de viver a despeito dele.


Aperitivos

1. Talvez essa seja a razão por que amamos o circo: porque nele podemos sentir medo sem correr perigo: voamos com os trapezistas, equilibramo-nos no fio de aço, enfrentamos tigres e leões... Experimentamos, na fantasia, o medo diante do terrível, assentados num lugar seguro...

2. Bachelard: a delicadeza das suas meditações sobre a luz da vela acontece perante o medo de que um vento mais forte apague a chama: “Sim, a luz de um olhar, para onde ela vai quando a morte coloca seu dedo frio sobre os olhos de um morto?“ E no último parágrafo ele pergunta: “... será que ainda há tempo...?“

3. Drummond: “Eterno (mas até quando?) é esse barulho em nós de um mar profundo. Naufragamos sem praia; e na solidão dos botos afundamos...“ E o Vinícius, que confessava o “terrível medo de renascer dentro da treva."

Fonte: Rubem Alves - Correio Popular, Caderno C, 22/07/2001.

sexta-feira, novembro 19, 2010

Felicidade e alegria por Contardo Calligaris


18 Novembro 2010

Felicidade e alegria

Ser alegre (muito melhor do que ser feliz) é gostar de viver mesmo quando a vida nos castiga


"QUANDO EU era criança ou adolescente, pensava que a felicidade só chegaria quando eu fosse adulto, ou seja, autônomo, respeitado e reconhecido pelos outros como dono exclusivo do meu nariz.

Contrariando essa minha previsão, alguns adultos me diziam que eu precisava aproveitar bastante minha infância ou adolescência para ser feliz, pois, uma vez chegado à idade adulta, eu constataria que a vida era feita de obrigações, renúncias, decepções e duro labor.

Por sorte, 1) meus pais nunca disseram nada disso; eles deixaram a tarefa de articular essas inanidades a amigos, parentes ou pedagogos desavisados; 2) graças a esse silêncio dos meus pais, pude decretar o seguinte: os adultos que afirmavam que a infância era o único tempo feliz da vida deviam ser, fundamentalmente, hipócritas; 3) com isso, evitei uma depressão profunda pois, uma vez que a infância e a adolescência, que eu estava vivendo, não eram paraíso algum (nunca são), qual esperança me sobraria se eu acreditasse que a vida adulta seria fundamentalmente uma decepção?

Cheguei à conclusão de que, ao longo da vida, nossa ideia da felicidade muda: 1) quando a gente é criança ou adolescente, a felicidade é algo que será possível no futuro, na idade adulta; 2) quando a gente é adulto, a felicidade é algo que já se foi: a lembrança idealizada (e falsa) da infância e da adolescência como épocas felizes.

Em suma, a felicidade é uma quimera que seria sempre própria de uma outra época da vida -que ainda não chegou ou que já passou.

No filme de Arnaldo Jabor, "A Suprema Felicidade", que está em cartaz atualmente, o avô (extraordinário Marco Nanini) confia ao neto que a felicidade não existe e acrescenta que, na vida, é possível, no máximo, ser alegre.

Claro, concordo com o avô do filme. E há mais: para aproveitar a vida, o que importa é a alegria, muito mais do que a felicidade. Então, o que é a alegria?

Ser alegre não significa necessariamente ser brincalhão. Nada contra ter a piada pronta, mas a alegria é muito mais do que isso: ser alegre é gostar de viver mesmo quando as coisas não dão certo ou quando a vida nos castiga. É possível, aliás, ser alegre até na tristeza ou no luto, da mesma forma que, uma vez que somos obrigados a sentar à mesa diante de pratos que não são nossos preferidos ou dos quais não gostamos, é melhor saboreá-los do que tragá-los com pressa e sem mastigar. Melhor, digo, porque a riqueza da experiência compensa seu caráter eventualmente penoso.

Essa alegria, de longe preferível à felicidade, é reconhecível sobretudo no exercício da memória, quando olhamos para trás e narramos nossa vida para quem quiser ouvir ou para nós mesmos. Alguém perguntará: é reconhecível como?

Pois é, para quem consegue ser alegre, a lembrança do passado sempre tem um encanto que justifica a vida. Tento explicar melhor.

Para que nossa vida se justifique, não é preciso narrar o passado de forma que ele dê sentido à existência. Não é preciso que cada evento da vida prepare o seguinte. Tampouco é preciso que o desfecho final seja sublime (descobri a penicilina, solucionei o problema do Oriente Médio, mereci o Paraíso).

Para justificar a vida, bastam as experiências (agradáveis ou não) que a vida nos proporciona, à condição que a gente se autorize a vivê-las plenamente.

Ora, nossa alegria encanta o mundo, justamente, porque ela enxerga e nos permite sentir o que há de extraordinário na vida de cada dia, como ela é.

É óbvio que não consegui explicar o que são a alegria e o encanto da vida. Talvez eles possam apenas ser mostrados: procure-os em "Amarcord" (1973), de Federico Fellini, em "Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas" (2003), de Tim Burton ou no filme de Jabor. "A Suprema Felicidade" me comoveu por isto, por ter a sabedoria terna de quem vive com alegria e, portanto, no encantamento.

Segundo Max Weber (1864-1920), a racionalidade do mundo industrial teria acabado com o encanto do mundo. Ultimamente, bruxos, vampiros, lobisomens, deuses e espíritos andam por aí (e pelas telas de cinema); aparentemente, eles nos ajudam a reencantar o mundo.

Ótimo, mas, para reencantar o mundo, não precisamos de intervenções sobrenaturais. Para reencantar o mundo, é suficiente descobrir que o verdadeiro encanto da vida é a vida mesmo."

Fonte: http://contardocalligaris.blogspot.com/

sábado, novembro 06, 2010

34ª Mostra de Cinema São Paulo

Durante o último mês tivemos a 34 Mostra de cinema com filmes diversos. A programação completa está no site Mostra Internacional de Cinema.

O alemão "Quando Partimos" foi considerado o melhor filme da mostra. Não vejo a hora de ver.


Essa é a programação da repescagem da 34ª Mostra de SP

Sexta-feira (5)
Cinemateca - Sala BNDES

14h - Hermano, de Marcel Rasquin (96'). Venezuela
15h50 - Antonioni sobre Antonioni, de Carlo di Carlo (55'). Itália
17h30 - China, de Michelangelo Antonioni (208'). Itália
21h15 - Memórias de Xangai, de Jia Zhang Ke (125'). China

Cine Livraria Cultura 1

14h - Sou Terrorista, de Valérie Gaudissart (94'). França
16h - Abel, de Diego Luna (85'). México
17h50 - A Árvore, de Julie Bertucelli. França, Autrália
19h50 - Rosa Morena, de Carlos Oliveira. Brasil, Dinamarca
21h50 - A Valsa das Flores, de Alyona Semenova, Alexander Smirnov (98'). Rússia
23h50 - Howl, de Rob Epstein, Jeffrey Friedman

Cinesesc

14h - Até o Fim do Mundo, de Wim Wenders (279'). Alemanhã, França, Autrália
18h50 - Uma Carta para Elia (60'). EUA
20h10 - Jardim Sonoro, de Nicola Bellucci (86'). Suíça
21h50 - Pense Global, Aja Rural, de Coline Serreau (113'). França
Submarino, de Thomas Vinterberg (110'). Dinamarca

Sábado (6)
Cinemateca - Sala BNDES

14h - Como eu Terminei este Verão, de Alexei Popogrebsky (124'). Rússia
16h30 - Howl, de Rob Epstein, Jeffrey Friedman (90'). EUA
18h20 - Submarino, de Thomas Vinterberg (110'). Dinamarca
20h30 - Em um Mundo Melhor, de Susanne Bier (105'). Dinamarca

Cine Livraria Cultura 1

14h - As Quatro Voltas, de Michelangelo Frammartino (88'). Itália, Alemanha, Suíça
15h50 - Pink Floyd The Wall, de Alan Parker (95'). Reino Unido
17h50 - O Mágico, de Sylvain Chomet (80'). França, Inglaterra
19h30 - Beyond, de Pernilla August (94'). Suécia, Finlândia
21h30 - José & Pilar, de Miguel Gonçalves Mendes (125'). Brasil, Portugal, Espanha
0:00 Caterpillar, de Koji Wakamatsu (85'). Japão

Cine Livraria Cultura 2

14h - Me Alugo para Sonhar - Parte 1, de Ruy Guerra (100'). Cuba
16h- Me Alugo para Sonhar - Parte 2, de Ruy Guerra (100'). Cuba
18h - Me Alugo para Sonhar - Parte 3, de Ruy Guerra (100'). Cuba
20h - Michel Ciment, a arte de partilhar filmes, de Simone Lainé (52'). França

Cinesesc

14h - A Vala, de Wang Bing (109'). França, Bélgica
16h10 - Mistérios de Lisboa, de Raúl Ruiz (266'). Portugal
20h50 - Quando Partimos, de Feo Aladag (119'). Alemanha
23h10 - Balibo, de Robert Connolly (111'). Austrália, Timor Leste

Domingo (7)
Cinemateca - Sala BNDES

14h - Outubro, de Daniel Vega, Diego Vega (83'). Peru, Espanha, Venezuela
15h40 - Meninos de Kichute, de Luca Amberg (102'). Brasil
17h40 - Um Homem que Grita, de Mahamat Saleh Haroun (92'). França, Bélgica, Chade
19h30 - Minha Felicidade, de Sergei Loznitsa (127'). Alemanha, Ucrânica, Holanda
22h - Almas Silenciosas, de Aleksei Fedorchenko (75'). Rússia

Cine Livraria Cultura 1

14h - Submarino, de Thomas Vinterberg (110'). Dinamarca
16h10 - Carlos, de Olivier Assayas (330'). França, Alemanha
22h - Os Dois Escobares, de Jeff Zimbalist, Michael Zimbalist (100'). Colômbia, EUA

Cinesesc

14h - A Vala, de Wang Bing (109'). França, Bélgica
16h10 - Sem Medo - As Canções de Luciano Libague, de Piergiorgio Gay (85'). Itália
18h - O Samba que Mora em Mim, de Georgia Guerra-Peixe (72'). Brasil, Portugal
19h40 - Lixo Extraordinário, de Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley (99'). Brasil, Inglaterra
21h40 - Howl, de Rob Epstein, Jeffrey Friedman (90'). EUA

Fonte: Cinema Terra